quarta-feira, dezembro 16, 2009

Fechado

Encerrasse as cortinas de fogo vivo, puxada por cordões ainda dourados, mas já gastos pelas mãos que diariamente abrem e fecham aquele cenário. Foi o último dia que a peça esteve em cena. Os figurantes desapareceram por entre as sombras dos holofotes agora apagados. Instala-se o silêncio onde houve risos, lágrimas, suspiros, amor e tragédia. Já não há luz, público, alegria… só aquele silêncio inquietante e perturbador de quem já teve dias mais gloriosos, de quem amou e foi amado.
Senta-se no banco gasto e olha-se naquele espelho, onde tantas e tantas vezes se foi transformando. Um dia gueixa, outro dia Dama de sociedade, criada, amante, criança, louca, adulta, perversa, acompanhada, solitária, perdida… Foi mãe, filha, mulher, meretriz. Foi o que o público lhe pedia e o que ainda tinha de si para dar. Foi a actriz. Foi ela. Foi muitas.
À sua volta pairam ainda os fantasmas que a acompanharam. Estão sempre à espreita, como à espera da sua “deixa”. Mas hoje acabou. Fez-se o último esforço, a última interpretação, talvez a mais verdadeira da sua vida, senão a única…
Já não tem palco, luzes ou público. Tem–se a si. Afinal, sempre assim o foi, porque hoje seria diferente?
Tira o resto da maquilhagem em gestos penosos, e no espelho brilham os verdes olhos, de choro ou de ilusão. E cada pedaço limpo, encontra um novo arranhão, uma nova ferida. Talvez devesse deixar-se pintada… mas não, a vida não é assim, pensa. Tudo tem um fim. E hoje, hoje não vai ser excepção. De rosto limpo e de coração vazio, abandona este velho teatro. Foram-se as ilusões, foi-se o futuro, foi-se o seu mundo.
Fechado para sempre.