sexta-feira, março 02, 2007

Deixa

A forma como nos conhecemos ainda está marcada por um encontro sem coincidências.
Pelo menos tu costumas dizer que tudo na vida tem um sentido e o facto de nos termos encontrado é simplesmente porque tinha de acontecer…
Contei-lhe de ti, hoje. Estávamos sentados naquele que costumava ser o “nosso” ponto de encontro. O mar revolto, o silêncio e a paz com que me olhava, deu-me a nostalgia de tempos idos. Ele sentiu-me longe e com o seu jeito natural, pegou na minha mão e sorriu. Não contive aquela gota que desceu sobre o meu rosto. Uma vez mais em silêncio, ergueu a sua mão para limpar aquele resto de passado que teima em perseguir cada passo que eu dou.
-Queres me contar? Olhei para aquele rosto totalmente aberto e senti que o que há muito tempo me atormentava a alma. Pela primeira vez na vida despi-me de qualquer medo e depois de anos de profundo silêncio abri a porta do “meu” passado.
Contei-lhe porque tinha fechado o meu coração, porque sempre me afastava quando ele se aproximava e porque no fundo do meu ser era-me impossível ser infiel.
Não te desculpei ou sequer desculpei os meus actos. Tinha sido deliberadamente enganada e agora só podia fazer o que é normal, carpir a minha angústia, a minha raiva e principalmente esquecer que se pode magoar de forma tão cruel alguém.
Entravam e saíam pessoas constantemente, umas à procura de um rosto conhecido, outras simplesmente sós ou à procura de um tempo de isolamento.
Quando terminei, uma vez mais em silêncio, levantaste-te, agarraste na minha mão e encaminhando-me para a saída, apertaste-me contra ti.
Fazia imenso frio lá fora. Forças-te um abraço e aconchegando-me o casaco levantaste o meu rosto ao nível do teu olhar. Percebi que os teus olhos estavam cinzentos. Atrás de nós o mar batia forte contra as rochas, senti-me fraca. Seguraste-me bem perto de ti.
E eu deixei, inspirando o cheiro que emanava da tua roupa. Estivemos assim o tempo que o meu corpo precisou para acalmar depois de um compulsivo choro.
Quando me sentiste mais calma, colaste o teu rosto ao meu e junto do meu ouvido, por entre a braveza do mar sussurraste: Deixa-me amar-te.